11 de jun. de 2011

Comentário da escritora Genny Xavier a respeito do caso Zélia Lessa

Recentemente, recebemos uma carta do ator Jacson Costa mostrando sua indignação a respeito da demolição do  teatro Zélia Lessa. Nós postamos a matéria em nosso blog. A escritora Genny Xavier fez um comentário a respeito do assunto, que merece ser postado como matéria, devido a importância cultural e testemunho de quem viveu a época citada, e conhece a história e a importância que a Sala Zélia Lessa tem para Itabuna.
O comentário diz o seguinte:

Queridos Ari e Jackson,

É engraçado como as vezes as coisas ganham um sentido intuitivo. Nos últimos tempos, venho publicando em meu blog literário "Baú de Guardados" uma série de pequenas histórias urbanas. Na última postagem publiquei um texto narrativo intitulado "Letreiros", cujo personagem é um radialista que tem um programa de rádio onde ele relata suas impressões sobre a cidade onde vive. Num dos trechos ele diz: "Por isso digo tudo sempre tão abertamente aos que me ouvem, sobre os detalhes, dos mais belos, banais e inusitados aos mais estúpidos ou revoltantes, detalhes sobre os ônibus, sobre os mendigos, sobre os números escritos no alto das fachadas das casas quase em ruínas ou que já puseram o iluminado neon das modernas reformas. Às vezes é triste perceber que a história da cidade se perde em meio às suas modernas mudanças, como as fachadas das casas antigas que sempre me atraíram e que, aos poucos, foram sendo demolidas, cedendo lugar para os prédios comerciais ou residenciais.(...) Assim, nestas experiências dos dias eu recolho os conteúdos de cada emissão do meu “Letreiros” para expor esta cidade que a cada dia morre do jeito que foi para tornar-se outra no amanhã de logo mais. Há nisso tudo, nos meus sentimentos que também exponho aos meus ouvintes, um sentido maniqueísta, como quem se divide melancolicamente entre ter saudade das reminiscências de ontem e ter nas mãos as perspectivas inusitadas do amanhã."

É isso aí, Jackson e Ari, nossa querida Itabuna, que ano passado completou 100 anos, vive o ocaso da sua memória em que muitos não desejam preservar. É mesmo muito triste e dá vontade de chorar...

Meu mundo era pequeno
quando eu imaginava comer
os pedaços da casa de doce
da rua do museu.
Hoje, eu sei que a casa é de tijolo
e o museu não existe mais.
Havia o rio e as pedras desse rio
quaravam as roupas
de quem tinha muita roupa para vestir.
As lavadeiras,
- vestidas de panos simples -
faziam bolhas nas mãos
espumando o alvejar dos ricos.
Hoje, o rio abre e fecha a boca
com seu hálito ocre
querendo o ar limpo que já não tem...
e as lavadeiras se foram
dos meus sonhos de meninice.

No meu mundo pequeno,
cabia muita coisa de sonho e mágica
como as barbas brancas do Papai Noel
em meu caminho para o cinema
em filme de domingo.
Cabia poeta recitando versos
na praça libertária
dizendo ao mundo que as guerras
matavam meninos que sonhavam voar.
Cabia homem-carro
fazendo das pernas pneus velozes
zunindo delírios
e buzinando alegrias.
E, ainda cabia,
parque de frente pra igreja
quermesses de bolos e fé
algodão-doce e ladainhas.

Mas, nesse mundo grande de hoje
a cidade encolheu o saber,
mal-cheirou o rio
e lava suas roupas sujas na sabida máquina do tempo.
Tempo gasto em que as bruxas varrem ao vento
os ciscos das memórias dos anos de ouro.
Então, diferente do meu mundo de ontem,
este de hoje, tão grande e real,
sobra os espaços como numa caixa vazia,
espia a notícia do dia
e dita a ordem das coisas.

GENNY XAVIER
http://www.badeguardados.blogspot.com/

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