9 de jun. de 2011
Jackson Costa está indignado com a derrubada da Sala Zélia Lessa
Recebí do meu amigo e colega Jackson Costa uma carta hoje pela manhã, que assim como ele, lí com lágrimas nos olhos. Vou dividir a indignação dele e de muitos outros artistas que viveram a década enfervecente da cultura grapiúna com meus leitores.
Diz o texto:
Ari, meu amigo,
É uma pena que o Auditório Zélia Lessa passe por essa destruição.
Todo tempo é tempo de construir.
E o teatro é um tesouro milenar que serve pra iluminar, entreter, educar, encantar...Teatro é lugar de profunda reflexão.
Na sala Zelia Lessa, eu praticamente (como ator) nasci e várias vezes ali vivi, momentos de grande emoção.
Ali eu vivi Sebastao do Souto, da peça "Calabar" (de Chico Buarque e Ruy Guerra), junto com Betão, Eva Lima, Ramon Vane, Marcos Cristiano, Adriana Dantas, Weldon Bitancurt, Jeferson Blue, Zé Henrique, Marcelo José, Dedé, André, Juan Nascimento, o mineiro Roberto O'hara e outros que agora não me lembro. Mas eu me lembro do movimento cultural que Itabuna viveu na década de oitenta: Nosso prefeito era Ubaldo Dantas, um grande homem, um grande prefeito, e a nossa primeira dama era Ritinha Dantas, uma mulher que construia e ainda constroi LIVROS, "livros a mão cheio e manda o povo pensar". Cada livro lançado naquela época era um movimento cultural: Os atores atuavam, os cantores cantavam, os dançarinos dançavam e as pessoas gozavam tamanha iluminação. Ali eu aprendi a dizer poemas, coisa rara no teatro da Bahia. Dizer poema é coisa de ator grapiúna, é "A Coisa" de José Delmo, que mantem a sua "Memória Verde" e sempre gerando bons frutos que reluzem como ouro. Escrevo isso com lágrimas nos olhos, porque tenho coração e dentro dele guardo bons sentimentos e cabe também a Sala Zélia Lessa. Que cultura é essa que destrói a Sala Zélia Lessa? Será que o povo sabe quem é Zelia Lessa? E o coral Cantores de Orfeu, onde eu também cantei e me encantei? Em outras épocas derrubaram o Teatrinho ABC, que era belo e ficava no meio da praça Otávio Mangabeira. Como apagar da História? Isso me lembra um livro de Geny Xavier, lançado e encenado na Sala Zélia Lessa, no qual eu também atuei: "Caso de um Poeta Grapiúna que até hoje ninguém sabe o nome". Eu sei. Esse poeta pode chamar-se Firmino Rocha, que tem um poema que cabe bem nesta hora, que pouca gente na cidade conhece, mas que encontra-se gravado numa placa de bronze na sede da ONU e foi publicado numa coletânea sobre a paz, editada para a ONU e distribuida para todo o mundo.:
Deram um Fuzil ao Menino
Adeus Luares de Maio
Adeus traças de maria
Nunca mais a inocência
Nunca mais a Alegria
Nunca mais a grande música
No coração do menino.
Agora é o tambor da morte
Rufando nos campos negros.
Agora são os pés violentos
Farindo a terra bem dita.
A cantiga, onde ficou a cantiga?
No caderno de números o verso ficou sozinho.
Adeus ribeirinhos dourados,
Adeus estrelas tangíveis,
Adeus tudo que é de Deus.
Deram um fuzil ao menino.
Os hemens destroem um teatro, más O TEATRO sempre está vivo.
Um abraço, meu amigo.
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Queridos Ari e Jackson,
ResponderExcluirÉ engraçado como as vezes as coisas ganham um sentido intuitivo. Nos últimos tempos, venho publicando em meu blog literário "Baú de Guardados" uma série de pequenas histórias urbanas. Na última postagem publiquei um texto narrativo intitulado "Letreiros", cujo personagem é um radialista que tem um programa de rádio onde ele relata suas impressões sobre a cidade onde vive. Num dos trechos ele diz: "Por isso digo tudo sempre tão abertamente aos que me ouvem, sobre os detalhes, dos mais belos, banais e inusitados aos mais estúpidos ou revoltantes, detalhes sobre os ônibus, sobre os mendigos, sobre os números escritos no alto das fachadas das casas quase em ruínas ou que já puseram o iluminado neon das modernas reformas. Às vezes é triste perceber que a história da cidade se perde em meio às suas modernas mudanças, como as fachadas das casas antigas que sempre me atraíram e que, aos poucos, foram sendo demolidas, cedendo lugar para os prédios comerciais ou residenciais.(...) Assim, nestas experiências dos dias eu recolho os conteúdos de cada emissão do meu “Letreiros” para expor esta cidade que a cada dia morre do jeito que foi para tornar-se outra no amanhã de logo mais. Há nisso tudo, nos meus sentimentos que também exponho aos meus ouvintes, um sentido maniqueísta, como quem se divide melancolicamente entre ter saudade das reminiscências de ontem e ter nas mãos as perspectivas inusitadas do amanhã."
É isso aí, Jackson e Ari, nossa querida Itabuna, que ano passado completou 100 anos, vive o ocaso da sua memória em que muitos não desejam preservar. É mesmo muito triste e dá vontade de chorar...
Meu mundo era pequeno
quando eu imaginava comer
os pedaços da casa de doce
da rua do museu.
Hoje, eu sei que a casa é de tijolo
e o museu não existe mais.
Havia o rio e as pedras desse rio
quaravam as roupas
de quem tinha muita roupa para vestir.
As lavadeiras,
- vestidas de panos simples -
faziam bolhas nas mãos
espumando o alvejar dos ricos.
Hoje, o rio abre e fecha a boca
com seu hálito ocre
querendo o ar limpo que já não tem...
e as lavadeiras se foram
dos meus sonhos de meninice.
No meu mundo pequeno,
cabia muita coisa de sonho e mágica
como as barbas brancas do Papai Noel
em meu caminho para o cinema
em filme de domingo.
Cabia poeta recitando versos
na praça libertária
dizendo ao mundo que as guerras
matavam meninos que sonhavam voar.
Cabia homem-carro
fazendo das pernas pneus velozes
zunindo delírios
e buzinando alegrias.
E, ainda cabia,
parque de frente pra igreja
quermesses de bolos e fé
algodão-doce e ladainhas.
Mas, nesse mundo grande de hoje
a cidade encolheu o saber,
mal-cheirou o rio
e lava suas roupas sujas na sabida máquina do tempo.
Tempo gasto em que as bruxas varrem ao vento
os ciscos das memórias dos anos de ouro.
Então, diferente do meu mundo de ontem,
este de hoje, tão grande e real,
sobra os espaços como numa caixa vazia,
espia a notícia do dia
e dita a ordem das coisas.
GENNY XAVIER
http://www.badeguardados.blogspot.com/